O presidente Jair Bolsonaro e as Forças Armadas celebram hoje o golpe civil-militar iniciado há exatos 55 anos. Inspirados por Bolsonaro, adorado como fenômeno incorruptível, parte dos brasileiros se junta às comemorações através do celular e das redes sociais. Com eles, ao invés de avançar na direção da justiça social e do desenvolvimento, o Brasil dá um passo para trás, de volta à estupidez e ao ódio.
O Exército pertencia ao presidente João Goulart nas primeiras horas do dia 31 de março de 1964, como narra o jornalista Elio Gaspari em A Ditadura Envergonhada. Mas, o país inteiro cambaleava. Nas Forças Armadas, o general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, apresentava maior grau de desequilíbrio. Às cinco horas da manhã, vestindo pijama e roupão de seda vermelho, Mourão desencadeou o golpe, inicialmente usando o telefone como arma, em busca de apoiadores. O domínio dos militares sobre o povo brasileiro teria fim 21 anos depois, após torturar cerca de 20 mil pessoas, destituir do cargo 4841 representantes eleitos e matar pelo menos 434 pessoas, de acordo com números da Comissão Nacional da Verdade.
Bolsonaro repete a tese de que o golpe, que ele chama de “revolução”, livrou o Brasil do comunismo. Na verdade, a ditadura militar chegou ao ponto de torturar e estuprar crianças. Dezenas foram presas, fichadas, exiladas ou entregues para adoção ilegal. Mulheres grávidas estiveram entre as vítimas violentadas. Não parece que o país se livrou de muita coisa.
Tanto que após o início da barbárie e o endurecimento do regime, os civis se arrependeram de tê-lo apoiado. Protestos se tornaram cada vez maiores e mais frequentes. Mas era tarde. O Congresso foi fechado, o habeas corpus, suspenso, e os cidadãos perderam seus direitos mais sagrados. Em um país sem memória, que não se lembra da dor da época, há infelizes que sonham com uma nova intervenção militar e o fim da democracia.
A comemoração do golpe é nojenta e vergonhosa. Por 6 anos servi em diferentes organizações militares da Marinha. Nunca nenhum comando cogitou comemorar o uso indevido das Forças Armadas para derrubar um presidente legítimo. A proposta pareceria ridícula para qualquer militar se não tivesse vindo de Jair Bolsonaro, fã assumido de Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça como torturador na ditadura.
Jamais meus companheiros de trabalho citaram o golpe com alegria ou orgulho. Todos os militares que conheci, milhares de pessoas, sempre viram as Forças Armadas como uma ferramenta para defesa do Brasil e garantia das liberdades individuais. O bom militar sabe que as Forças Armadas não comemoram suas realizações. Elas servem aos interesses do povo brasileiro, sob a força da Constituição. Bem como sabe que o Presidente da República é o seu comandante supremo, em vez de alvo de conspirações entre almirantes e generais.
O dia 31 de março é uma nova oportunidade para o debate sobre o passado – quando torturar e matar se tornaram práticas de Estado – e um estímulo ao fortalecimento da democracia. Celebrando a ditadura, o presidente Bolsonaro despreza os brasileiros que realmente amam e respeitam a liberdade humana.
Denúncias serão analisadas pelo juiz Marcelo Bretas, que mandou prender, na semana passada, Michel Temer, Moreira Franco e outros oito alvos da operação
POR ESTADÃO CONTEÚDO
Ex-presidente Michel Temer é acusado de liderar quadrilha criminosa responsável por desvio de dinheiro na construção de Angra 3, dentre outros crimesAFP
Rio - O Ministério Público Federal, no Rio, denunciou criminalmente o ex-presidente da República Michel Temer (MDB), o ex-ministro Moreira Franco (Minas e Energia) e outros investigados por supostos desvios milionários nas obras da usina nuclear de Angra 3. Temer e Moreira são alvo da Operação Descontaminação - desdobramento da Lava Jato.
A Procuradoria da República apresentou duas acusações formais contra Michel Temer. Uma por corrupção e lavagem de dinheiro e outra por peculato e lavagem de dinheiro.
As denúncias serão analisadas pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, que mandou, na semana passada, prender Michel Temer, Moreira Franco e outros oito alvos da Descontaminação.
Se o magistrado aceitar as acusações, o ex-presidente responderá a ações perante a Justiça Federal fluminense.
Temer foi preso no dia 21 quando saía de casa em São Paulo. O ex-presidente passou quatro dias recolhido na Superintendência da Polícia Federal do Rio em uma sala de 46m².
Na segunda, 25, o desembargador Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) mandou soltar o emedebista e outros sete alvos da Descontaminação.
Na quinta, 28, Temer tornou-se réu em ação criminal pela primeira vez por decisão do juiz Rodrigo Parente Paiva, da 15ª Vara Federal de Brasília. Neste caso, o ex-presidente é acusado por corrupção por causa da mala de R$ 500 mil.
Em abril de 2017, o então assessor do presidente Rodrigo Rocha Loures foi filmado em ação controlada da Polícia Federal recebendo uma mala com R$ 500 mil do executivo da J&F, Ricardo Saud. Ele foi um dos alvos da Operação Patmos, deflagrada em maio daquele ano, com base na delação de executivos da holding.
Segundo a denúncia oferecida em 2017 pelo então procurador-geral Rodrigo Janot, e ratificada pelo procurador da República Carlos Henrique Martins Lima, os pagamentos poderiam chegar ao patamar de R$ 38 milhões ao longo de 9 meses.
Com o fim do foro privilegiado de Temer, o processo foi remetido à primeira instância e tramita na 15ª Vara Federal.
A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo está tentando localizar as defesas dos denunciados e deixou espaço aberto para manifestação.
Documento afirma que o presidente e outros membros do governo tentam 'modificar a narrativa histórica do golpe que instaurou uma ditadura militar'
Por ESTADÃO CONTEÚDO
Bolsonaro autorizou a comemoração da data que deu início à ditadura em quartéis das Forças Armadas no Brasil - Liamara Polli/Parceiro/Agência O Dia
São Paulo - O Instituto Vladimir Herzog e a Ordem dos Advogados do Brasil enviaram à Organização das Nações Unidas, na manhã desta sexta-feira, uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro. A petição tem relação com a orientação de Bolsonaro para comemorações nos quartéis, no próximo domingo, 31 de março, data que marca os 55 anos do golpe militar de 1964.
O documento afirma que o presidente e outros membros do governo tentam "modificar a narrativa histórica do golpe que instaurou uma ditadura militar.
A queixa também cita as recentes entrevistas de Bolsonaro, em que o presidente "nega o caráter ditatorial do regime e os crimes contra a humanidade cometidos por agentes do Estado".
No domingo, 24, Bolsonaro mandou os quartéis celebrarem a "data histórica". Nesta quinta-feira, 28, ele disse que sugeriu às unidades militares que "rememorem" o 31.
Para o Herzog e a OAB, a comemoração constitui "uma violação dos tratados aos quais o Brasil passou a fazer parte depois de retornar à democracia".
No documento, eles pedem aos relatores que a ONU cobre explicações do presidente.
A expectativa do Instituto é que a ONU se manifeste sobre "a importância do direito à memória e à verdade e a necessidade de se manter viva a lembrança das atrocidades cometidas durante o regime militar, a fim de evitar qualquer tentativa de revisionismo histórico".
Segundo o Instituto Vladimir Herzog, "a queixa tem caráter confidencial".
Nesta quinta, o instituto protocolou mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal para impedir comemorações que façam alusão à 1964.
"Em razão dos crimes cometidos durante a ditadura, isso representaria imoralidade administrativa por parte do Poder Executivo", afirma o Instituto, em nota publicada em seu site.
O Instituto leva o nome do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto nas dependências do DOI-CODI, núcleo mais temido da repressão, ligado ao antigo II Exército, em São Paulo.
Nascido em Montevidéu e morto em 2015, Galeano foi, mais do que tudo, um pensador.
Por Joana Rodrigues
Diante da pulsação de um mundo que nos quer atentos e fortes, como dizem os versos de Caetano Veloso, o escritor Eduardo Galeano seguirá como figura imprescindível nesse exercício de sintonia com o universo da informação e da formação de nós, leitores. Mais que tudo, esse uruguaio que nos deixou em abril de 2015 foi um pensador. Do lugar onde nasceu, a capital uruguaia, Montevidéu, Galeano pensou o universo latino-americano em sua complexidade e riqueza, acionando o seu olhar de observador, num exercício sincopado entre o micro, quase como um microscópio e ao mesmo tempo focando no macro, expandindo seu pensamento para o universo.
Tal tarefa ocupou grande parte de seus 74 anos e promoveu em Galeano outro exercício além da escrita, o da fala. Por isso, ao fazermos uma incursão pelo mundo da web, dos arquivos e dos registros, vamos nos deparar com dezenas de entrevistas, depoimentos, discursos e conversas em que ele discorre sobre temas variados: do futebol, uma de suas arraigadas paixões, à política, passando por literatura, direitos humanos, liberdade de expressão, à importância da imprensa, às questões socioambientais, além dos temas capazes de tocar aqueles que, na história do universo, sempre tiveram suas vozes abafadas. E em tais vozes estão centenas de anônimos cidadãos que sofreram e seguem sofrendo opressões políticas, sociais, econômicas, esportivas, religiosas, sexuais.
Assim, em sintonia com o mundo atual, será, portanto, uma experiência novidadeira, ouvi-lo. Talvez dessa maneira, via sua própria voz, será um pouco mais fácil entender o quanto Galeano tem a nos dizer, para além de seu legado, reunido em seus mais de 40 livros traduzidos para vários idiomas.
Legado esse que se sustenta em pilares sólidos, cravados na história, na mitologia, no jornalismo, na literatura, na política e no olhar de um observador para lá de especial. Legado esse que estreou nas páginas de um dos mais significativos periódicos culturais da América Latina na década de 60, o semanário Marcha (1959-1963) e, posteriormente, no diário Época (1964-1966). Ali, ao lado de outros escritores uruguaios, como Mario Benedetti e Juan Carlos Onetti, Galeano começou a desenhar sua escritura que contemplou crônicas, reportagens e críticas.
Anteriormente a essa etapa, aos 14 anos o uruguaio teve uma charge publicada no jornal El Sol, do Partido Socialista Uruguaio. Os dotes com o traço permitiram que o escritor prosseguisse uma de suas incursões pela diagramação e, posteriormente, ter dado conta das ilustrações de alguns de seus livros.
Essa ligação estreita com o jornalismo prosseguiu, quando, em 1972, Galeano dirigiu a revista Crisis, outra importante e inovadora publicação que mesclava um olhar político, analítico às questões políticas do momento (o início das ditaduras militares latino-americanas) com arte e literatura. Para tal proximidade, o escritor uruguaio referiu-se da seguinte forma: “Me envolvi com o jornalismo e nunca mais saí, de alguma maneira a gente fica para sempre sendo um habitante dessa casa mágica que é o jornalismo”.
O trânsito entre a literatura e o jornalismo imprimiu à escrita de Galeano um estilo de texto único, motivo suficiente para o surgimento de questões. À primeira vista de um leitor que abre, por exemplo, Espelhos – Uma história quase universal (2008) ou um dos outros de seus títulos clássicos, O Livro dos Abraços (1989): seriam poemas em prosa? Seriam mini ou microrrelatos? Para responder a tais indagações, lembremos uma vez mais que o requinte de observação do mundo trouxe para o escritor uruguaio um resultado de textos com a sua identidade.
Esse desenho das palavras, esse ritmo, essa forma de dizer as coisas, foi sendo tecido entre outros fatores também por conta de suas tantas viagens pela América Latina e Caribe, ao conhecer muito de perto os 21 países, afora o Brasil, que têm a língua espanhola como idioma comum, mas que também reúnem centenas de outras línguas das raízes indígenas e negras.
Vale destacar que a proximidade entre Galeano e o Brasil foi igualmente intensa, e não foram poucos os vínculos entre os intelectuais, músicos, artistas e gente simples, do povo, enfim brasileiros, que sempre se mantiveram retroalimentados, entre a língua e a cultura, entre o pensamento e o sentimento.
Entre 1972 e 1985, ficou longe de seu país natal, exilado na pequena cidade de Calella, próxima a Barcelona, na Espanha. Fugia de dois golpes militares em dois países latino-americanos: o primeiro, no Uruguai, e o segundo, na Argentina. Nesse último, teve o nome incluído na lista dos “esquadrões da morte” de Jorge Videla.
Foi em terras espanholas, na condição de exilado, que Galeano escreveu As Veias Abertas da América Latina, livro proibido em diversos países que se encontravam em regimes ditatoriais. Para essa obra, fica o lembrete que se trata de um livro necessário para a compreensão e discussão desse continente geopolítico social e cultural chamado América Latina. Mas que, atendendo a um chamado do próprio Eduardo Galeano, ano passado, quando esteve na Bienal de Literatura realizada em Brasília, como um dos homenageados, “talvez merecesse uma revisão em sua leitura”.
Para aqueles que estão se aproximando neste momento do universo do escritor uruguaio, porém, vale a retomada das palavras do jornalista Jorge Escosteguy na década de 1970: “As Veias Abertas da América Latina propõe um rigoroso inventário da história de um continente que deu ouro e prata, açúcar e diamantes, café e minerais estratégicos e vidas humanas aos colonizadores de plantão, recebendo em troca pouco mais que um subdesenvolvimento crônico e controlado”. E para que não fiquemos tão distantes desta obra que trouxe ao mundo das letras um dos mais jovens ensaístas, vamos a este trecho:
“A veneração do passado sempre me pareceu reacionária. A direita escolhe o passado porque prefere os mortos: mundo quieto, tempo quieto. Os poderosos, que legitimam seus privilégios pela herança, cultivam a nostalgia. Estuda-se história como se visita um museu; e esta coleção de múmias é uma fraude. Mentem-nos o passado como nos mentem o presente: mascaram a realidade. Obriga-se o oprimido a fazer sua, uma memória fabricada pelo opressor: estranha, dissecada, estéril. Assim, ele se resignará a viver uma vida que não é a sua, como se fosse a única possível”.
(A Veias Abertas da América Latina, Eduardo Galeano. Paz e Terra, 1994)
Um pequeno recorte dessa obra nos leva ao encontro de uma das personagens pescadas por Galeano, a escritora Maria Carolina de Jesus, autora de Quarto de despejo. Carolina, mineira nascida na cidade de Sacramento, teve no ano passado o centenário de seu nascimento comemorado, reconhecidamente como uma das importantes escritoras negras brasileiras. Ela foi moradora de uma favela do bairro do Canindé, zona norte de São Paulo, e ganhava a vida como catadora de papéis; papéis esses que serviram de registros para seus escritos na década de 60.
O que Galeano nos diz sobre essa precursora nos temas da escrita feminina negra:
Carolina Maria de Jesus nasceu no meio da sujeira e dos urubus.
Cresceu, sofreu, trabalhou duro; amou homens, teve filhos. Num livrinho, anotava com letra ruim suas tarefas e seus dias.
Um jornalista leu esses livros por acaso e Carolina Maria de Jesus converteu-se numa escritora famosa. Seu livro Quarto de Despejo, diário de cinco anos de vida num sórdido subúrbio da cidade de São Paulo, foi lido em 40 países e traduzido para 13 idiomas.
Cinderela do Brasil, produto do consumo mundial, Carolina Maria de Jesus saiu da favela, correu o mundo, foi entrevistada e fotografada, premiada pelos críticos, agasalhada pelos cavalheiros e recebida por presidentes.
Passaram-se os anos. No início de 1977, numa madrugada de domingo, Carolina Maria de Jesus morreu em meio ao lixo e aos urubus. Ninguém se lembrava da mulher que escrevera: “A fome é a dinamite do corpo humano”.
Ela, que havia vivido de restos, pode ser, fugazmente, uma eleita. Foi permitido a ela sentar-se à mesa. Depois da sobremesa, rompeu-se o encanto. Enquanto seu sonho transcorria, o Brasil continuava sendo um país onde a cada dia cem trabalhadores ficam lesados por acidentes de trabalho e onde quatro de cada dez crianças que nascem são obrigadas a converter-se em mendigos, ladrões ou mágicos.
(As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Paz e Terra, 1994).
A militância em dar visibilidade e voz a quem lhe foi tirado o direito de expressar-se sempre foi marca do escritor. A aproximação às protagonistas femininas não estancou por aí. Galeano editou Mulheres (1997), reunindo personagens distribuídas ao longo de séculos, que tiveram relevância, ora histórica, ora social, ora pessoal; de forma explicitada ou de forma anônima. Como podemos acompanhar nesse microrrelato:
Eu adormeço às margens de uma mulher: eu adormeço às margens de um abismo.
(Mulheres, de Eduardo Galeano, LPM, 1997)
A coletânea feminina recolhe textos de livros como A Trilogia Memória do Fogo (Os Nascimentos, As Caras e as Máscaras e o Século das Luzes), Vagamundo, Palavras Andantes e Noites de Amor e Guerra. Mas o olhar direcionado ao universo feminino prosseguiu quando Galeano, mais recentemente publicou Los Sueños de Helena, dedicado à sua companheira, Helena Villagra.
Com esta rápida apresentação sobre o tanto que Eduardo Galeano tem a nos contar, fica então conectada outra alavanca de sua obra: a de nos trazer as memórias. Essa memória viva do nosso cotidiano, assim como a memória ancestral deste universo latino-americano marcado por diferenças e peculiaridades, este é o eixo central da leitura de O Livro dos Abraços (1989), o que de certa forma teve continuidade em Espelhos, Uma História Quase Universal e Os Filhos dos Dias (2012).
Autor premiado, Galeano sempre apregoou um rito do escritor: o de não inflacionar as palavras e “a não escrever por escrever, mas escrever palavras que queiram ser melhores que o silêncio”.
*Professora adjunta do curso de Letras da Unifesp e doutora em Literatura pela Universidade de São Paulo (FFLCH).
Mandados foram expedidos pelo juiz Marcelo Bretas da 7ª Vara Federal Criminal do Rio; MPF aponta que grupo liderado por Temer praticou crimes envolvendo órgãos públicos e empresas estatais, movimentando R$ 1,8 bilhão ilicitamente
Por O Dia
- Atualizado às 17h14 de 21/03/2019
Michel Temer e Moreira Franco - Antonio Cruz / Agência Brasil
Rio - A Lava Jato do Rio prendeu na manhã desta quinta-feira Michel Temer (MDB) em São Paulo. O ex-presidente da República é investigado por ser líder de uma organização criminosa que desviava recursos da Eletronuclear. O ex-ministro e ex-governador do Rio Moreira Franco também foi preso cerca de 40 minutos depois, no Rio de Janeiro.
A PF identificou sofisticado esquema criminoso para pagamento de propina na contratação das empresas Argeplan, do Coronel Lima, AF Consult Ltd e Engevix para a execução de um contrato na usina nuclear de Angra 3.
No total, oito mandados de prisão preventiva e dois de prisão temporária foram expedidos pelo juiz federal Marcelo Bretas da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. A Operação Descontaminação também cumpre 26 mandados de busca e apreensão nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná e no DF.
Ex-presidente Michel Temer foi preso no carro, minutos após deixar sua casa na Zona Oeste de São Paulo - Reprodução/ TV Globo
O ex-presidente Michel Temer foi preso em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. Ele foi detido no carro em que estava, minutos depois de deixar sua casa. Temer embarcará em um avião da Polícia Federal em Guarulhos com destino ao Rio de Janeiro. A PF faz buscas na casa de Temer e também em seu escritório.
O ex-ministro Moreira Franco (Minas e Energia) foi preso no carro após ter chegado no Rio de Janeiro pelo aeroporto do Galeão.
Um dos alvos de prisão preventiva da operação desta quinta-feira é o braço-direito de Temer João Baptista Lima, o Coronel Lima.
Uma coletiva de imprensa com detalhes sobre a operação está marcada para as 16h na sede da PF no Rio de Janeiro.
Confira os alvos de prisão preventiva:
Michel Temer (ex-presidente da República)
João Baptista Lima Filho (Coronel Lima)
Moreira Franco (ex-ministro e ex-governador do Rio)
Maria Rita Fratezi ( arquiteta, mulher do coronel Lima)
Carlos Alberto Costa (sócio do coronel Lima na Argeplan)
Carlos Alberto Costa Filho (diretor da Argeplan)
Vanderlei de Natale (sócio da Construbase)
Carlos Alberto Montenegro Gallo (administrador da empresa CG IMPEX)
Confira os alvos de prisão temporária:
Rodrigo Castro Alves Neves (Alumi Publicidades)
Carlos Jorge Zimmermann (empresa finlandesa-sueca AF Consult)
Busca e apreensão
Além das prisões, foi determinada a realização de busca e apreensão nos endereços dos investigados, assim como de Maristela Temer, filha do ex-presidente, Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, Ana Cristina da Silva Toniolo, filha de Othon, e Nara de Deus Vieira, ex-chefe de gabinete e assessora de Temer. Também foram realizadas buscas nas empresas vinculadas aos investigados.
Organização criminosa atuou em Angra 3
O MPF informa que a operação desta quinta apura crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, em razão de possíveis pagamentos ilícitos feitos por determinação do delator José Antunes Sobrinho, dono da Engevix, para o grupo liderado por Michel Temer, bem como de possíveis desvios de recursos da Eletronuclear para empresas indicadas para o grupo.
Segundo a Polícia Federal, Coronel Lima solicitou propina a José Antunes Sobrinho em benefício de Temer. A propina no valor de R$ 1,91 milhão, segue a PF, foi paga em 2014 pela empresa Alumi Publicidades à empresa 'DA Projeto e Direção Arquitetônica', controlada por Coronel Lima.
Para justificar as transferências de valores foram simulados contratos de prestação de serviços da empresa PDA para a empresa Alumi. O empresário que pagou a propina afirma ter prestado contas de tal pagamento para o Coronel Lima e Moreira Franco.
O advogado Eduardo Carnelós, que defende Michel Temer, afirmou que a prisão do ex-presidente "é uma barbaridade".
A defesa do ex-governador do Rio e ex-ministro Wellington Moreira Franco afirmou que "causa estranheza" o decreto de prisão contra ele "vir de juiz de direito cuja competência não se encontra ainda firmada, em procedimento desconhecido até aqui". O escritório Moraes Pitombo Advogados manifestou "inconformidade" com o decreto de prisão cautelar do ex-ministro "Afinal, ele (Moreira Franco) encontra-se em lugar sabido, manifestou estar à disposição nas investigações em curso, prestou depoimentos e se defendeu por escrito quando necessário", diz o comunicado.
O MDB divulgou nota para criticar a prisão do ex-presidente Michel Temer, que chamou de irregular. "O MDB lamenta a postura açodada da Justiça à revelia do andamento de um inquérito em que foi demonstrado que não há irregularidade por parte do ex-presidente da República, Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco. O MDB espera que a Justiça restabeleça as liberdades individuais, a presunção de inocência, o direito ao contraditório e o direito de defesa", diz a nota.
O MPF aponta que o grupo praticou diversos crimes envolvendo variados órgãos públicos e empresas estatais, tendo sido prometido, pago ou desviado para o grupo mais de R$ 1,8 bilhão. A investigação mostra que diversas pessoas e empresas ligadas a Temer continuam recebendo e movimentando valores ilícitos, além de permanecerem ocultando valores, inclusive no exterior. "Quase todos os atos comprados por meio de propina continuam em vigência e muitos dos valores prometidos como propina seguem pendentes de pagamento ao longo dos próximos anos", acrescenta a PF.
As apurações também indicaram uma espécie de braço da organização, especializado em atos de contrainteligência, a fim de dificultar as investigações, tais como o monitoramento das investigações e dos investigadores, a combinação de versões entre os investigados e, inclusive, seus subordinados, e a produção de documentos forjados para despistar o estado atual das investigações.
Temer é alvo de dez investigações. Cinco deles tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), abertos enquanto o emedebista tinha foro privilegiado, pois era presidente da República. Os demais foram encaminhados este ano pelo ministro Luís Roberto Barroso à primeira instância.
Em 2016, duas denúncias contra Temer apresentadas pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot foram barradas pela Câmara dos Deputados. As ações foram apresentadas após vir à tona encontro de Temer com o empresário Joesley Batista, da JBS, no Palácio da Jaburu.
Em entrevista em maio de 2018, Temer disse que não temia ser preso como Lula. Ele negava ter beneficiado uma empresa ao editar o decreto dos Portos e disse que não há motivos para o processo ter prosseguimento.
Processo apura o envolvimento do presidente Michel Temer na edição de medidas que poderiam ter beneficiado empresas do setor portuário. O inquérito apura se empresas que atuam no Porto de Santos, entre elas a Rodrimar, teriam sido beneficiadas pelo decreto assinado por Temer em maio de 2017. A medida ampliou de 25 para 35 anos as concessões do setor, prorrogáveis por até 70 anos.
O inquérito investigava inicialmente, além de Temer, Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR), ex-assessor do presidente e ex-deputado federal, Antônio Celso Grecco e Ricardo Conrado Mesquita, respectivamente, dono e diretor da Rodrimar. Ao longo da apuração, entraram também na mira o amigo do presidente, João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, e executivos do Grupo Libra. Todos negam envolvimento em irregularidades.
Cúpula do MDB
Em manifestação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), no início de janeiro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se posicionou a favor de que o ex-presidente Michel Temer e os ex-ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Energia) sejam investigados conjuntamente no caso que trata de supostas propinas de R$ 14 milhões da Odebrecht para a cúpula do MDB. A apuração está relacionada com o jantar no Palácio do Jaburu, realizado em 2014, e que foi detalhado nos acordos de colaboração premiada de executivos da Odebrecht. Então vice-presidente, Temer teria participado do encontro em que os valores foram solicitados. A Polícia Federal já concluiu pela existência de indícios de que Temer, Padilha e Moreira Franco cometeram os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Moreira Franco: ex-governador, deputado e ministro
Moreira Franco foi governador do Rio de 1987 a 1991 e deputado federal em três períodos: de 1975 a 1977; de 1995 a 1999; e de 2003 a 2007. Ele também foi prefeito de Niterói de 1977 a 1982.
Moreira Franco ocupou cargos no governo governo Dilma Roussef (PT). De 2011 a 2013, ele foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência; e de 2013 a 2014, o mandatário da Secretaria de Aviação Civil.
No governo Temer, ele começou como secretário do Programa de Parcerias de Investimentos, de 2016 a 2017, passando pelo comando da Secretaria-Geral da Presidência de 2017 a 2018; até chegar ao Ministério de Minas e Energia de abril a dezembro de 2018.
Michel Temer
Michel Temer assumiu a Presidência da República em 12 de maio de 2016, após os senadores aprovarem a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, o que resultou no afastamento dela do cargo. Em agosto, o Senado aprovou o impeachment de Dilma e Temer assumiu a presidência efetivamente.
Nesses 12 meses, a gestão do presidente Michel Temer foi marcada pela adoção do ajuste fiscal na economia, com a definição de um teto para os gastos públicos, e pelo envio das reformas da Previdência, trabalhista e do Ensino Médio para o Congresso Nacional.
"A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não tem voz".
(Ferreira Gullar)